Uma cobaia foi usada para descobrir o astato, o elemento mais raro do mundo.
Às vezes, a descoberta científica requer uma ferramenta incomum.
Por Sam Kean
Qual é o elemento mais raro? Parece uma pergunta direta. Uma explosão de supernova há 4,5 bilhões de anos levou à criação de nosso Sistema Solar e, com ele, todos os elementos da tabela periódica até o urânio. Mas alguns desses elementos (por exemplo, tecnécio e promécio) não possuem isótopos estáveis e, dada à rapidez com que decaem, podemos estar certos, estatisticamente, de que não restarão mais átomos originais. Portanto, a resposta deve ser um empate, com todos esses elementos tendo uma abundância zero.
Essa não é toda a história, no entanto. Alguns dos elementos radioativos mais pesados, especialmente o urânio, decaem de várias maneiras, emitindo partículas diferentes ou dividindo seus núcleos em pedaços de tamanhos diferentes. E, dependendo dos detalhes dessas divisões e decaimentos, os elementos que deviam estar extintos podem reaparecer repentinamente. Eles são os celacantos da tabela periódica.
Mesmo assim, alguns elementos mal apenas são repostos. Isso é especialmente verdade com astato e frâncio, os dois candidatos ao título de mais raros do mundo. Dos dois, o frâncio é mais frágil. Se você tivesse um milhão de átomos de astato, metade deles se deterioraria em outra coisa (normalmente polônio) em cerca de 7 horas. (Em outras palavras, 7 horas é a meia-vida do astato.) Um suprimento similar de frâncio seria reduzido em 20 minutos. Então o bom senso diz que o frâncio deveria ser mais raro.
Mas o senso comum está errado. Os cientistas calculam que entre 20 e 30 onças [0,57 e 0,85 kg] de francium existem na Terra a qualquer momento. Ao mesmo tempo, há apenas uma onça [0,028 kg] de astato. Como isso é possível? Como pode um elemento 20 vezes mais frágil ser 20 vezes mais abundante? A resposta é que o caminho de decaimento do urânio para o frâncio é mais fácil de seguir do que o caminho de decaimento do urânio para o astato; o resultado líquido é que mais átomos de urânio são convertidos em frâncio. O astato é, portanto, o elemento mais raro na tabela periódica, porque é o mais difícil de produzir.
Tão difícil de produzir, de fato, que os cientistas que o criaram em 1939 não puderam detectar sua existência diretamente e tiveram que recorrer a um truque. Eles criaram um pouquinho de astato dentro de uma amostra de bismuto bombardeando o bismuto com partículas de um ciclotron. Eles então alimentaram uma cobaia com isso. O astato fica abaixo do iodo na tabela periódica, dando aos dois elementos propriedades semelhantes. E depois de algumas horas de digestão, a glândula tireoide da cobaia faminta por iodo filtrou e concentrou o astato. Permanece como o único elemento descoberto por um não humano.
Mesmo depois de coroar o astato como o elemento mais escasso, no entanto, temos que qualificar essa afirmação: é apenas o elemento natural mais raro. Além do urânio, há duas dúzias de elementos feitos pelo homem e, a menos que encontremos provas de inteligência extraterrestre algum dia, podemos estar bastante confiantes de que a maioria dos elementos além do urânio (os transurânicos) nunca existiram fora de um laboratório científico aqui na Terra.
Quão raros estamos falando? Produzir um elemento ultra-pesado pode levar uma década de trabalho – e, afinal de contas, os cientistas podem ter encontrado cinco ou seis átomos, no total, nenhum dos quais sobreviveu por mais de um segundo. (Para comparação, o registro de um esforço para reunir átomos de frâncio em um único lugar é de 10.000.) E se você está pensando que parece muito fútil, você está em boa companhia: sempre que eu dou palestras sobre a tabela periódica, a pergunta mais comum que me perguntam é por que os cientistas se importam. De que adianta fazer elementos ultra-pesados?
A maioria das pessoas que perguntam são genuinamente curiosas. De vez em quando, porém, alguém começa a tagarelar, beirando a raiva: a questão deles é realmente um desafio. Às vezes é o dinheiro que os incomoda: eles vêem a ciência como um jogo de soma zero, e cada centavo não gasto em, digamos, curas médicas é um centavo desperdiçado. Mas mesmo quando eu explico os efeitos da pesquisa (isso pode levar a novas formas de produzir isótopos médicos), eles não são acalmados. Realmente, é o desprezo intencional por praticidade que os consome. A ideia de que os cientistas possam dedicar suas vidas à criação de algo que não tem, e nunca terá, qualquer valor prático quase ofende-os.
No final, costumo sorrir e dizer que precisamos abraçar a inutilidade desses elementos, até mesmo celebrá-los. Em um cálculo utilitarista, não se pode justificar a produção de elementos ultra-pesados e ultrararos – exceto para dizer que eles contribuem para a soma do conhecimento e felicidade humanos, o que não é pouca coisa. Mais do que isso, a criação deles satisfaz a necessidade humana de ir além de nossas fronteiras naturais, explorar o máximo possível de nosso pequeno espaço do universo. São necessários todos os tipos para fazer uma tabela periódica, e se alguns desses elementos são tão raros e fugazes quanto um pica-pau de bico de marfim, eles são ainda mais bonitos por isso.
Sam Kean é autor dos best-sellers “O Duelo dos Neurocirurgiões” e “A Colher Que Desaparece“.
Este texto é uma tradução autorizada oficialmente – do original ‘Tiny Productions’ publicado na revista Distillations Magazine.
Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle, professor na Universidade Federal do Pampa – Bagé ( luisbrudna@gmail.com ).
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